Este artigo foi publicado por Antônio Ivo de Carvalho, Conselheiro da ABRASCO e Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) e Francisco Paumgartten (Anvisa/ENSP). Vale a pena ler!
Recentemente, vimos a obesidade ser classificada como epidêmica e incorporada entre os problemas a que as políticas públicas devem dar resposta. É um tema complexo que envolve múltiplas dimensões: os padrões de beleza que escravizam homens e mulheres de todas as idades; a política agrária que joga aos céus os preços dos alimentos in natura; a venda indiscriminada dos alimentos industrializados ricos em gordura, sal e açúcar, razão de desgosto dos profissionais de saúde que conhecem os malefícios que eles são capazes de provocar.
Como para tudo existe remédio, a indústria farmacêutica colocou no mercado substâncias propagandeadas como inibidoras do apetite. Recentemente, a União Européia e os Estados Unidos cancelaram os registros dos produtos que contêm essas substâncias, e o governo brasileiro passou a cogitar a mesma decisão, com base em análise da Câmara Técnica de Medicamentos da Anvisa. Em nota pública, dez entidades ligadas à saúde apoiaram o cancelamento do registro dos chamados anorexígenos também no Brasil.
A retirada de medicamentos do mercado por decisão da autoridade sanitária causa prejuízos financeiros a alguns setores e interfere com hábitos de prescrição. Tratando-se de tema sensível como o tratamento da obesidade, e mercado tão lucrativo como o de inibidores do apetite, o acalorado debate sobre o cancelamento do registro desses medicamentos era esperado.
Por apresentar relação risco-benefício desfavorável, a comercialização da sibutramina, o mais moderno e mais estudado dos quatro inibidores do apetite comercializados no Brasil, foi suspensa na Europa em janeiro, e nos EUA, Canadá, Austrália e outros países em outubro de 2010. Os demais anorexígenos (femproporex, anfepramona e mazindol) exibem perfil de segurança ainda mais desfavorável e, na maioria dos países, foram banidos há muitos anos.
O estudo de longa duração Scout (Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial), envolvendo 10.744 obesos com doença cardiovascular, diabetes, ou ambas, mostrou que a sibutramina aumentou o risco de eventos cardiovasculares (como infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico) nesses pacientes.
Os defensores da sibutramina argumentam que o Scout evidenciou o aumento de risco em uma população vulnerável de obesos, isto é, aqueles com doença cardiovascular e/ou diabetes, e que o fármaco seria seguro para os que ainda não apresentam essas doenças. Não há estudos clínicos comparáveis ao Scout, em rigor metodológico e poder estatístico, que sustentem essa suposição. Além disso, o mais importante em relação aos resultados do Scout não é o aumento do risco em si, mas a falta de eficácia. O objetivo do tratamento da obesidade não é a perda de peso em si, ou atingir o peso ideal, mas atenuar a morbidade associada ao excesso de peso (como doenças cardiovasculares e diabetes). O Scout mostrou que, apesar de diminuir o peso, a sibutramina não reduziu o risco cardiovascular (na verdade ela aumentou esse risco), o que é uma clara evidência da ineficácia do medicamento.
A perda de peso causada pelos anorexígenos é modesta e o peso perdido é inteiramente recuperado com a interrupção do medicamento. Os que defendem a permanência dos inibidores de apetite no mercado afirmam que emagrecimentos de 5% a 10% do peso corporal seriam eficazes para diminuir as doenças associadas à obesidade. Esse efeito benéfico ocorre com reduções modestas de peso alcançadas com dieta e exercícios físicos, mas não necessariamente quando ela é causada por inibidores do apetite. A sibutramina, por exemplo, não foi eficaz em reduzir as doenças associadas à obesidade.
A obesidade deve ser tratada não só por médicos, como também por nutricionistas, professores de educação física e psicólogos.
A prevenção e o tratamento da obesidade são um dos mais sérios desafios a serem enfrentado nos próximos anos. Os medicamentos ineficazes e perigosos são parte do problema, e não a solução.
- Artigo público no Jornal O Globo, em 16/06/2011.
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